Quase Famosos

Por: Priscila Belasco

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          Década de 1970. O cenário? Drogas, sexo e rock’n roll. Quase Famosos (Almost Famous) é o retrato da libertação de William Miller, um jovem de 15 anos oprimido pela ditadura da mãe e libertado pela música, pelo espírito rebelde da juventude e pelos quatro integrantes da banda Stillwater, em turnê pelos Estados Unidos com um ônibus apelidado carinhosamente de Doris. Estrelando a novata Kate Hudson no papel de Penny Lane, o filme explora a escalada para a fama de uma banda em ascensão e o papel do jornalista como alavanca para o sucesso, na medida em que suas palavras são a porta de entrada ou de saída no meio artístico. Tudo isso com participação das groupies, que não são apenas as fãs da banda, mas também sua diversão.

          Escrito e dirigido por Cameron Crowe, o filme estadunidense é uma comédia dramática lançada mundialmente em 8 de setembro de 2000 com 122 minutos de duração. Com um orçamento de US$ 60 milhões o filme ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original, Globos de Ouro nas categorias Melhor Filme: Comédia ou Musical e Melhor Atriz Coadjuvante para Kate Hudson, prêmio BAFTA para Melhor Roteiro Original e Melhor Som. A obra é semiautobiográfica, já que Cameron Crowe acompanhou parte de uma turnê da banda Led Zeppelin e também escreveu para a revista Rolling Stone, a mesma que contrata o personagem principal para acompanhar a banda fictícia Stillwater, banda criada a partir de três paixões do diretor: Led Zeppelin, The Allman Brothers Band e Lynyrd Skynyrd.

          Primeiro é preciso entender o ambiente familiar em que vivia William Miller (Patrick Fugit) e sua irmã Anita (Zooey Deschanel) sob as rédeas curtas da mãe Elaine, vivida pela premiada atriz Frances McDormand. Manteiga, açúcar, farinha, bacon, ovos e mortadela eram expressamente proibidos do cardápio doméstico por questões nutricionais. O rock’n roll era excluído do menu musical por fazer, segundo a senhora Miller, poesias de drogas e sexo promíscuo; mas enquanto ele era o Lúcifer em forma de melodia para Elaine, torna-se o amante de seus filhos, que têm nele o fundo musical da vida.

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          Enquanto seguia a vida cumprindo seus compromissos de filho e aluno sem nenhuma mácula, William enviava seus artigos sobre música para o crítico musical e editor da revista Creem, Lester Bangs (Philip Seymour Hoffman) que sabia exatamente a diferença entre os músicos e os fãs: a capacidade de ser descolado – “eles ganham as garotas, mas nós somos mais inteligentes” – e tentou, por meio de inúmeros avisos e advertências, evitar que o jovem repórter fosse enfeitiçado e seduzido pelos encantos dos  astros do rock. Falhou. Curioso, interessado e inocente, William também era um fã da música da época, e suas preferências pessoais ao se misturarem com a carreira que iniciava, gerou frustrações emocionais e  profissionais.

          Adolescente aspirante a jornalista, William não tinha nenhuma experiência com o ambiente de trabalho de uma redação, era apenas um jovem com talento para escrita e sensibilidade sobre o assunto, porém, sem bagagem profissional. Mesmo assim começou a publicar seus textos na Creem, que o levaram a traçar o caminho da maior aventura de um adolescente quando foi contatado pela revista Rolling Stone. Acreditando se tratar de um jornalista musical com formação e conhecimentos sólidos, a revista contrata William para viajar com a banda Stillwater e cobrir sua turnê pelos Estados Unidos no ano de 1973 e concede ao garoto de 15 anos a matéria de capa de uma das revistas musicais mais importantes da época.

          De um lado pressionado pela mãe para não se deixar corromper por um mundo sem valores, e do outro vendo as portas abertas de uma realidade que não conhecia, William vivia um confronto particular: ser estritamente profissional ou mesclar sua atividade com um pouco da adrenalina e intensidade que a rotina da banda oferecia.

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          Apelidado de “The Enemy” (O Inimigo) por ser da imprensa, o repórter era visto como aquele que possuía o futuro da banda nas mãos. Ao mesmo tempo em que era tratado como amigo e inserido no grupo, era desprezado nos momentos de tensão, pois nada que pudesse deslegitimar e mostrar os problemas internos poderia ser publicado. A cena em que Russell (Billy Crudup), o guitarrista, descontrola-se devido ao uso de ácido em uma festa de adolescentes, fica claro que a afetividade demonstrada pela banda era parcialmente verdadeira. Seminu e enrolado numa toalha após saltar do telhado para a piscina, Russell diz elevando a voz, ao passar por William que o espera para embarcar no ônibus: “Olhe só. Ele está anotando tudo com os olhos. Como vamos saber que não é um policial?! O Inimigo?!”. Não desprezando o fato de que a situação aconteceu em um ambiente com drogas e álcool e que o guitarrista não estava em seu juízo perfeito, embora a sinceridade nesse estado possa ser maior do que na sobriedade, o fato é que por mais que se divertissem juntos e por mais que existisse uma relação de afinidade entre banda e fã, a verdade era que William não passava de um jornalista que observava e anotava toda a rotina e presenciava as delícias e pecados de quem se aventurava no mundo da música. Na primeira vez em que Stillwater e William se encontraram num concerto do Led Zeppelin, a primeira reação do grupo foi a recusa ao saber que o jovem era crítico de rock, mas quando o repórter confessa que admira a banda, o cenário muda e os integrantes começam a usar sua influência como ídolos para ganhar alguns pontos no meio artístico.

          Outro fantasma que ronda o meio jornalístico e é retratado em Quase Famosos são as fontes.  Existe uma infinidade delas e o jornalista torce para que as pegue num bom humor. Russell Hammond era o tipo de fonte evasiva, no sentido em que qualquer detalhe externo à entrevista era mais interessante do que a presença de William. Sendo o líder da banda e seu discurso imprescindível para a reportagem, Russell deixava William à mercê de sua vontade, fazendo com que o novato estendesse sua presença na turnê, perdendo provas, formatura e prejudicando sua imagem com os profissionais da Rolling Stone. Sair para bebedeiras com os amigos ou se trancar num quarto de hotel com Penny Lane (que existiu na vida real, tendo sido uma das primeiras paixões do diretor Cameron Crowe), eram atitudes que demonstravam que o astro do rock não considerava verdadeiramente importante o trabalho do adolescente.

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          O medo que levou os integrantes da Stillwater a alcunhar William de “The Enemy” se justifica pela publicação da  reportagem como matéria de capa em uma revista conceituada no meio artístico. O repórter não economizou horas de trabalho nem rabiscos para colocar no papel tudo o que tinha vivenciado e experimentado ao lado da banda. Priorizou o compromisso com um jornalismo transparente e real, mostrando todas as facetas que se revelaram em sua pequena aventura, que por fim foi desautorizada e desacreditada pela banda que negou 90% do que tinha sido produzido. Enfurecidos com a chuva de verdades que William fez transbordar, o grupo negou as informações à revista, pois segundo Jeff Bebe (Jason Lee), o vocalista da banda, “vamos ficar parecendo amadores. Um grupelho medíocre tentando encarar o sucesso”. Ou seja, as horas de sono roubadas e debruçadas na máquina de escrever não valeram para nada; William foi desmentido por quatro músicos jovens e amedrontados pelos críticos musicais. Tudo teria terminado  dessa forma se Russell não tivesse tido uma crise de consciência e sido guiado cegamente por Penny Lane, batendo à porta do jovem repórter e concedido, finalmente, a entrevista tão buscada.

          Quase Famosos retrata, portanto, o distanciamento que os profissionais jornalistas devem adotar para não corromper seu trabalho como imparciais; uma linha divisória deve existir demarcando os limites que podem ou não ser ultrapassados pelos comunicadores a fim de se manter a ética e a racionalidade da profissão. No caso de William, em decorrência de sua imaturidade profissional e particular afeição pelo estilo de música da banda, a relação com o grupo foi além do caráter profissional e acabou refletindo na vida pessoal do adolescente, que em meio a concertos de rock  e pressões por parte da imprensa, continuava sendo apenas um garoto de 15 anos. O filme marca bem o que se espera de um jornalista no que se refere ao relacionamento com suas fontes: distanciamento, imparcialidade e até mesmo uma dose de frieza, a fim de que seja mantido o compromisso com a verdade e uma troca saudável de informações. Em uma das falas finais do filme, Jeff Bebe diz que William não é uma pessoa, mas sim um jornalista, culpado pela imagem pejorativa atribuída à banda; foi taxado de vilão mesmo quando nada do que escreveu era ficção.

          Herói ou vilão, o jornalista não deve se preocupar com a repercussão negativa ou positiva do seu relato final. Desde que haja honestidade e precisão na narração dos fatos, se garanta um não envolvimento com a situação e independência em relação às fontes, o jornalista é um contador de histórias instigantes.

 LINKS E REFERÊNCIAS SOBRE O FILME 

JUNIOR, Ricardo S. Jornalismo e Cinema: o jornalismo no cinema dos anos 2000. Disponível em: <http://jornalismoecinema.wordpress.com/quase-famosos/analise/>.

 ROCHA, Luciana. Cinema. Disponível em: <http://www.terra.com.br/cinema/drama/famosos.htm>.

CAMPOS, Alan. Patagonia. 05 Dez. 2011. Disponível em: <http://patagoniaufpe.blogspot.com.br/2011/12/quase-famosos-visao-de-cameron-crowe.html>.

FICHA TÉCNICA:

Diretor: Cameron Crowe

Roteiro: Cameron Crowe

Idioma: Inglês

Gênero: comédia dramática

Música: Nancy Wilson

Ano de lançamento: 2000

Duração: 122 minutos

Páis: EUA

Elenco: Billy Crudup, Frances McDormand, Kate Hudson, Jason Lee, Patrick Fugit, Zooey Deschanel, Anna Paquin.

Trailer:
https://www.youtube.com/watch?v=lEnYVwctef0

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