Confidencial

Por Lara Sant’Anna

filmes_1860_confidencial-poster03Em 2005 o livro “A Sangue Frio” fez 40 anos de sua publicação, e nada melhor do que homenagear a obra e seu autor, Truman Capote, concedendo-lhes dois filmes: Capote (2005) e Confidencial (2006). Sobre o primeiro já falamos aqui nesse blog , então, agora, chegou a vez do segundo! Continue lendo “Confidencial”

O Diabo Veste Prada

Por: Camila Nishimoto

O_Diabo_veste_Prada  Andrea “Andy” Sachs (Anne Hathaway) é a típica mulher cheia de expectativas, recém saída da faculdade de jornalismo de Northwestern, em busca de um emprego dos sonhos na cidade de Nova Iorque. O que ela encontra, entretanto, é bem diferente do que esperava: consegue um emprego de assistente na revista Runaway, referência no mundo da moda (do qual não faz parte).

Além de ter começado a trabalhar num ambiente que não correspondia à sua personalidade, Andy tem que enfrentar uma chefe nada amigável: a temível Miranda Priestly (Merryl Streep), que a subjulga de todas as formas possíveis. Tal pressão faz Andrea rever suas prioridades e valores, fazendo de tudo para se encaixar e conseguir a aprovação da chefe que tanto parece desprezá-la. Continue lendo “O Diabo Veste Prada”

La Dictadura Perfecta

Por: Michael Barbosa

La_dictadura_perfecta-995719025-largeEm La Dictadura Perfecta, filme mexicano de 2014 do diretor Luis Estrada, vemos um presidente que faz um comentário racista ter toda a atenção desviada do seu ato por uma gigantesca rede de televisão local que noticia com destaque um escândalo de corrupção envolvendo o governador Carmelo Vargas (Dámian Alcázar) que, em seguida, fecha um acordo milionário de “prestação de serviços em comunicação” com essa mesma rede de tevê, que se compromete a encobrir escândalos e elaborar um cuidadoso plano de valorização da persona política de Vargas. Continue lendo “La Dictadura Perfecta”

118 Dias

Por: Gabriel Dos Ouros

100429Baseado em fatos reais, 118 dias (Rosewater) conta a história do jornalista londrino e natural do Irã, Maziar Bahari (Gael Bernal), que deixou Londres e sua mulher grávida para cobrir as eleições presidenciais de seu país de origem em 2009, pensando em ganhar um dinheiro extra para ajudar nas despesas de seu filho que está por vir. O então presidente linha dura do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, está aparentemente prestes a perder a eleição para o reformista Mir Houssein Mousavi, mas surpreendentemente Ahmadinejad consegue se reeleger com uma larga margem de votos. As consequências disso? Manifestações populares, repreensão da polícia, a prisão de Bahari – que conseguiu filmar um assassinato da polícia contra um civil – e a tortura para que o jornalista confesse, em rede nacional, ser um espião do Ocidente. Mas será que um regime autoritário e opressor em plena era da informação consegue se manter com mentiras e manipulações? Continue lendo “118 Dias”

A Vida de David Gale

Por Paulo Palma Beraldo

a-vida-de-david-galeA pena de morte deve ser abolida? Vista por muitos como solução e por tantos outros como ineficaz, o filme “A Vida de David Gale” (The Life of David Gale) levanta esse debate ao mostrar um professor universitário ser acusado e condenado injustamente à morte pelo estado do Texas. O desvendamento da injustiça coube a uma jornalista convidada a entrevistá-lo, reconstruir a história e investigar o que realmente teria acontecido. Cabia à repórter descobrir e divulgar a verdade. Mas não seria fácil.

Continue lendo “A Vida de David Gale”

Histórias Cruzadas

Por: Agnes S. Guimarães

          Historias CruzadasEm 1962, na cidade de Jackson, Mississipi, Eugenia “Skeeter” Phelan (Emma Stone) retorna à casa dos pais depois de terminar a faculdade de jornalismo. Enquanto ela aguarda uma oportunidade de emprego num grande veículo, permanece na sua cidade natal e convive com conflitos raciais entre as empregadas negras domésticas e suas patroas, jovens, brancas e, muitas vezes, criadas pelas mesmas mulheres que, hoje, cuidam dos seus filhos. E o faro jornalístico aguça a sensibilidade e a indignação diante das relações cruéis entre brancos e negros.

          A ausência de Constantine (Cicely Tyson), sua babá, e a incompreensão para o engajamento das amigas na construção de banheiros exclusivos para domésticas – separados, portanto, dos banheiros das famílias-, Skeeter decide escrever um livro com relatos das empregadas, a começar pela experiência de Aibillen Clark (Viola Davis), que criou cerca de dezessete crianças, enquanto perdeu seu único filho, vítima de um acidente. Embora relutante no começo, a melhor amiga de Aibillen, Minny Jackson (Octavia Spencer), resolve contar sua história, e, aos poucos, outras empregadas ajudam a jornalista.

          Baseado no livro The Help, de Kathlyn Stockett, Histórias Cruzadas fez um estrondoso sucesso, tanto nas bilheterias quanto entre os críticos. A atriz Octavia Spencer ganhou um Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo seu papel como Minny, e o elenco, majoritariamente feminino, ganhou o prêmio de melhor elenco do Sindicato dos Atores dos Estados Unidos (SAG Awards).

          A aclamação pelo filme se deve desde ao elenco carismático e talentoso até a forma em que o público é cativado por uma história que envolve um tema considerado uma das maiores manchas da história dos Estados Unidos: as leis de segregação racial (conhecidas como Leis de Jim Crow), em vigor nos estados sulistas do país por mais de setenta anos (1890-1965).

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          No entanto, alguns críticos reclamam sobre o caráter happy-ending do filme, uma obra que seria feita para emocionar o público, mas que deixa de lado o protagonismo do movimento negro dentro das lutas pelos direitos civis. Afinal, se ocorre alguma mudança na vida das personagens negras do filme, é algo sempre atrelado a alguma personagem branca, relação que aparece, de forma indireta, na chamada principal do filme: Change begins with a whisper (Mudança começa com um suspiro). Dentro do enredo, o suspiro é a empatia mútua que finalmente aparece entre as relações interraciais da comunidade de Jackson, e representada tanto pelo trabalho de Skeeter com as empregadas quanto pela relação entre Minny e Celia Foote (Jessica Chanstain).

          Polêmicas à parte, o trabalho desenvolvido pela personagem de Emma Stone oferece ao espectador um panorama sobre o momento do jornalismo na década de 60. Formada em jornalismo, Skeeter, em vários momentos do filme, manifesta sua vontade em seguir a carreira literária. “Eu vou ser uma escritora séria”, ela diz, na sua primeira entrevista de emprego. Vale lembrar que o filme se passa na década de 60, época dos anos dourados do New Journalism. Jornalistas eram repórteres mas, sobretudo, eram escritores. Era a década em que Truman Capote publicaria A Sangue-Frio (1966), relato de um caso verídico de assassinato, clássico conhecido pela precisão dos detalhes e ao mesmo tempo, pela complexidade psicológica dos personagens, elementos típicos do romance literário e que passaram a aparecer, com mais frequência, na obra de outros jornalistas, como Gay Talese e Norman Mailer.

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          Para que seu livro seja aceito, Skeeter precisa da máxima quantidade de relatos possíveis. Ou seja, quanto mais fontes, melhor. Isso fica bem claro nas cenas em que a jornalista conversa com a srta. Stein (Mary Steenburgen), editora interessada pelo material: “Preciso que consiga mais o mais rápido possível, antes que esse negócio todo de direitos civis acabe”, ela explica. Ou seja, além da preocupação em elevar a credibilidade do tema bancado pela repórter (a de que as crianças brancas, quando patroas, repetiam as mesmas opressões impostas pelos pais às suas babás), com a variedade de relatos, a srta. Stein se atenta, também, ao valor-notícia do assunto, no caso, a luta contra a segregação racial, em sintonia com o trabalho da repórter. Esse valor-notícia garantiria repercussão e vendas, mas precisaria estar na onda e explorar o momento certo.

          Por questões de segurança, Skeeter muda os nomes de todos os personagens, à semelhança de um roman à clef, recurso literário em que o autor trata pessoas reais como personagens fictícios. No jornalismo, essa decisão, tal como o off, é bastante controversa, mas garante uma das regras básicas na deontologia do jornalismo: a preservação da fonte. Um caso mais próximo do uso do “anonimato” na reportagem brasileira foi o trabalho da jornalista Daniela Pinheiro para a revista Piauí: “A afilhada rebelde”, sobre a relação entre a então candidata à reeleição da presidência Dilma Roussef e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (edição 97, outubro/2014).

          Embora admita preferir trabalhar com a divulgação dos nomes reais de suas fontes, Pinheiro, ao explicar sobre a opção pelos offs, ressalta o teor das declarações que conseguiu, cujo caráter controverso não permitia a exposição dos nomes que se dispuseram a conversar com a jornalista. Mas graças ao valor-notícia do assunto (a reeleição, as chances da derrota da presidente), ela preferiu conduzir o trabalho dessa forma, ao invés de desistir de qualquer fato que não permitisse a divulgação da fonte.  “Eu não acho que seja uma missão contribuir ou não para o uso de offs entre aspas. É como eu falei: eu prefiro matéria sem off, mas eu prefiro a matéria à não-matéria. Essa é uma matéria.”

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          Com os relatos, Skeeter consegue produzir um trabalho que, para muitos historiadores, seria um documento historiográfico preciso da época. A autora ouve as depoentes e identifica coerência nas narrativas de como eram as relações entre patroas brancas e empregadas negras. As regras de sociabilidades e de diferenciação eram claras e se repetiam nos relatos, o sofrimento desencadeado pela discriminação, pela indiferença e até crueldade emergiam com verossimilhança nas lembranças de décadas de trabalho e humilhação. O cotidiano, os sentimentos vívidos nas vozes das mulheres e as formas de uso do banheiro desvelaram o racismo no espaço privado e na vida íntima, sensibilizando leitores do livro e o público do filme.

          E por fim, Skeeter era uma jornalista distante da realidade das empregadas, embora tivesse a infância marcada pela sua relação com a babá. Houve, portanto, o registro das histórias de uma minoria social sob a ótica de uma representante da categoria hegemônica daquela sociedade, assim como o filme e o livro foram escritos por autores/diretores brancos.  Como em diversas outras produções jornalísticas, o profissional estranho a um grupo discriminado e oprimido busca empatia, coloca-se como parte dele, faz a mediação, e cria uma leitura levando a realidade dessas pessoas para outras que não a conhecem, sensibilizando e estimulando a solidariedade política. Por outro lado há um limite, não é um membro do próprio grupo que denuncia a discriminação.

          Portanto, em tempos de discussões sobre a pluraridade de vozes na mídia, é interessante observar, no exemplo de Histórias Cruzadas, a importância do protagonismo das minorias, e os desdobramentos de sua ausência.

Links e referências interessantes:

DE PAULA, Francislene Pereira, MACHADO, Marcello Pereira. “Nós Contamos Nossa História”: Cidadania e Protagonismo Midiático de Cegos na Comunicação Organizacional Disponível em: http://www.unicentro.br/redemc/2012/artigos/32.pdf

GROENT, Rick. The Help: Civil rights lite, played for laughs. Disponível em: http://www.theglobeandmail.com/arts/film/the-help-civil-rights-lite-played-for-laughs/article629557/

Histórias Cruzadas. http://www.historiascruzadas.com.br/

LAURIER, Joanne. The help: a civil rights film that ignores the civil rights moviment. World Socialist Web Site. Disponível em: http://www.wsws.org/en/articles/2011/08/help-a27.html

Ficha técnica:

Título original: The Help

Ano: 2011

Direção: Tate Taylor

Roteiro: Tate Taylor, adaptação do romance (The Help) de Kathryn Stockett

Elenco: Jessica Chastain, Viola Davis, Bryce Dallas Howard, Allison Janey, Octavia Spencer, Emma Stone

Gênero: Drama

Duração: 146 minutos

Trailer:

Millennium (Trilogia)

Millennium (Trilogia): jornalismo investigativo romanceado

Por Lucinéa Villela

          Millennium_1_Los_hombres_que_no_amaban_a_las_mujeres-851927724-largeExiste jornalismo independente? Talvez este seja o grande mote dos três filmes que analisaremos nesta resenha. Em sua essência, o jornalismo independente define-se como um tipo de jornalismo que não está sob o controle de grandes grupos de comunicação, não possui compromisso com anunciantes, entidades políticas e/ou governamentais.

          Millennium é o nome fictício da revista independente sueca cujo editor-chefe é Mikael Blomkvist, protagonista da trilogia. A revista, talvez tão fictícia quanto o desejo de uma mídia independente, possui três co-proprietários (Erika Berger, Mikael Blomkvist e Christer Malm). A equipe tem como missão investigar e denunciar corrupções da sociedade sueca, em especial casos envolvendo fraudes econômicas (especialidade de Mikael). Veremos que as decisões jornalísticas apresentadas nos três filmes sempre serão debatidas democraticamente entre os sócios e colaboradores. A revista obviamente não consegue gerar lucro algum, mas todos os funcionários contribuem para que ela se mantenha como um dos únicos meios de expressão com ética e isenção.

          A trilogia foi escrita pelo jornalista e romancista sueco Karl Stieg-Erland Larsson (1954-2004), mundialmente conhecido como Stieg Larsson. Ele conseguiu com sua famosa Trilogia Millennium (lançada após sua morte) mesclar com muito êxito jornalismo investigativo com elementos essenciais de um bom romance. Encontramos em seus livros uma mescla de corrupção política, tráfico de mulheres e de armas, depravações e imoralidades no contexto familiar, suspense e uma pequena dose de heroísmo. O sucesso de seus romances deve-se a vários fatores. Sem dúvida alguma, os livros são bem engendrados. O primeiro da série, por exemplo, transforma um jornalista à beira do fracasso em detetive de elite que com apoio de uma hacker excêntrica desvenda um mistério insolúvel há mais de três décadas.

          Além da qualidade narrativa dos livros, talvez outros gatilhos fizeram com que a série se tornasse um best seller e, posteriormente, blockbuster. Um dos mais relevantes é o fato de Larsson apresentar semelhanças profissionais com o protagonista da franquia (Carl Mikael Blomkvist), o outro fator foi sua morte precoce, decorrente de um infarto.

          Com o sucesso da trilogia, os títulos foram adaptados para a grande tela na Suécia. O primeiro filme foi dirigido por Niels Arden Oplev e os outros por Daniel Alfredson.

          Vale destaque a atuação de Stieg no contexto jornalístico sueco. Foi ativista político, trabalhou na agência de notícias TT, ajudou a fundar a revista Expo, atuando como editor chefe do periódico de 1995 a 2004. Seu enfoque sempre foi investigar e denunciar organizações e movimentos racistas, anti-semitistas, anti-democráticos e de extrema direita. E os livros e filmes caminham nessa linha.

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          Devido a sua postura de intolerância à corrupção, sofreu diversas ameaças de morte, fato que gerou suspeitas de assassinato, as quais foram descartadas depois de investigações. Sua vida sempre apresentou elementos essenciais para um bom romance e vários filmes. As semelhanças com o personagem Mikael Blomkvist são frequentemente mencionadas nas críticas dos romances e dos filmes.

          Sem mais delongas, passemos à crítica dos filmes.

          O primeiro filme da série Millennium chama-se “Os homens que não amavam as mulheres” (Män som hatar kvinnor) e até hoje é considerado um sucesso não somente na Suécia como no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Lançado em 2009, a trama se inicia com Henrik Vanger (interpretado por Sven-Bertil Taube), um empresário milionário da fictícia cidade Hedestad, recebendo um presente anônimo: mais uma flor emoldurada para sua grande coleção. Todo ano ele recebe uma espécie diferente no seu aniversário. Somos assim introduzidos ao mistério que o persegue há 37 anos: sua sobrinha-neta Harriet Vanger (Julia Sporre) desapareceu em 1966 e nenhuma investigação foi concluída desde então.

          Mudança de cena. Em Estocolmo, o jornalista Mikael Blomvski (Michael Nyqvist)  sai do Palácio da Justiça após declarada sua sentença de três meses de prisão e pagamento de multa de 150 mil coroas por perdas e danos. Ele foi condenado por difamação e calúnia depois de publicar uma reportagem investigativa sobre o empresário milionário Hans-Erik Wennerström. Blomvski tinha conseguido com fontes próximas informações sobre o desvio que Wennerström fizera de verbas de fundos sociais (destinados a investimentos industrais na Polônia) para enriquecimento ilícito, incluindo transações com tráfico de armas.

          A explicação completa de tal denúncia não é dada no filme, só a encontramos de forma detalhada no livro. Ao longo do filme, há menções sobre o processo, mas como em toda adaptação cinematográfica, é impossível que todo o conteúdo seja reproduzido do livro para o filme. Nesse caso, o espectador interessado em jornalismo investigativo perde uma grande oportunidade para compreender as falácias que envolvem a publicação de dossiês investigativos. Recomendo a leitura do livro, não somente pela qualidade de texto, mas especialmente pelas menções à Millennium, uma proposta de revista independente, talvez o grande desejo e ao mesmo tempo utopia de todas as escolas jornalísticas.

          As duas histórias são então unidas. Henrik Vanger sempre acompanhou a carreira de Mikael, pois como o pai do jornalista tinha sido seu empregado nas décadas de 1950 e 1960, o empresário sentia orgulho pelo fato de o pequeno Blomvski ter se tornado um profissional ético e respeitado na mídia sueca. Vale destacar que o histórico de Mikael Blomvski como jornalista competente e incorruptível impressionava muito o empresário. Afinal, era sabido que somente com sua experiência como investigador político e econômico, desde o início de sua carreira até o final da década de 1980, foi possível lançar a proposta da conhecida Revista Millennium em 1990.

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          Ao saber de sua condenação, Henrik tenta então contratar o jornalista para duas missões: elaborar um memorial sobre a família Vanger e desvendar o desaparecimento de Harriet.  A recompensa? Henrik pagará uma quantia altíssima para o jornalista fazer uma intensa pesquisa sobre o desaparecimento da jovem herdeira e promete provar de maneira incontestável que Wennerström é de fato um corrupto. A família Vanger manteve por anos dossiês sobre o fraudulento empresário, materiais que poderão culminar em uma reportagem que resgatará a boa reputação de Blomvski.

          Mikael desconfia inicialmente da proposta, mas a história intrigante da família Vanger o atrai e, como procurava exílio até chegar o período de sua prisão, resolve passar uma temporada na sombria região de Hedestat.

          Contudo, ainda faltava um elemento essencial para que a trilogia fosse realmente instigante. Lisbeth Salander, brilhantemente interpretada por Noomi Rapace, é sem dúvida a melhor personagem do filme. Em um primeiro momento alguém poderia sentir certo estranhamento com a aparência dela que mistura elementos góticos com a repulsa pelo contato social. Ela paradoxalmente enche a cena, mas não quer falar e nem ser vista.

          Primeiramente é procurada por Mikael que invade sua casa pedindo para que o auxilie na sua pesquisa. Como sua própria história de vida se mistura com a de Harriet, eles desenvolvem uma relação ambígua que se aprofunda nos três filmes. Sem a intervenção da hacker, o jornalista não teria o acesso a informações imprescindíveis para a solução do mistério.

          Lisbeth tem memória fotográfica, inteligência acima da média e uma atração obsessiva pelo perigo e perfeição. Ela possui vários mistérios que são desvendados nos dois primeiros filmes da série Millennium. Em qualquer outro contexto a julgaríamos como uma criminosa ou imoral. No enredo de Larsson, ela se torna a anti-heroína, uma vítima que busca se vingar de seu passado expondo de forma incomum os criminosos tão reais e presentes em qualquer sociedade.

          Mikael e Lisbeth montam uma força tarefa e passam meses desvendando todos os podres da família Vanger. Eles mergulham num trabalho investigativo orientado pelo método do repórter.  São ameaçados, perseguidos e aos poucos vamos compreendendo as relações doentias entre os membros da família milionária e moralmente decadente. Em alguns momentos do filme, todos são considerados suspeitos pelo desaparecimento de Harriet, inclusive Henrik.

          Os cenários do filme são dignos de um bom thriller. Os vilarejos isolados, os contrastes entre mansões da família milionária (todos se odeiam e são vizinhos desde a infância) e a precária cabana onde Blomvski monta seu QG nos envolvem nas tramas infindáveis da promíscua família Vanger. Ao longo de duas horas, não vemos nem uma vez uma cena com sol. “Os homens que não amavam as mulheres” abre com chave de ouro uma série de filmes baseados nos livros póstumos de Stieg Larsson.

          Os outros dois filmes “A menina que brincava com fogo” (2009) (Flickan som lekte med elden) e “A rainha do castelo de ar” (2009) (Luftslottet som sprängdes) são focados no passado trágico da protagonista Lisbeth Salander. Há também a versão americana, dirigida por David Fincher e lançada em 2012, que aborda o conteúdo do primeiro livro.

           Em “Os homens que não amavam as mulheres” há algumas menções de que na infância de Lisbeth houve um grave incêndio provocado por ela. Ela defende sua mãe depois de um dos diversos ataques que sofreu de seu pai, personagem extremamente agressivo e o grande vilão dos dois últimos filmes da franquia.

          No segundo filme, “A menina que brincava com fogo”, o roteiro envolve o mistério sobre as relações entre o russo Alexander Zalachencko (Zala) e Lisbeth. A revista Millennium é recolocada no cenário jornalístico da Suécia e um novo tema vira foco de investigação de seus sócios e colaboradores: uma rede de tráfico de mulheres. Mikael deixa de ser o grande herói da história e as cenas mais marcantes envolvem perseguições entre Lisbeth e gangues de traficantes russos, capangas e policiais aposentados. Não há exatamente um final do filme, apenas um “to be continued”.

          O último longa da série, “A rainha do castelo de ar”, também gira em torno dos desfechos da história de vida de Lisbeth. Para os fãs de Stieg Larsson, o último livro fecha brilhantemente um ciclo, mas para quem admira um bom roteiro cinematográfico, o último filme é bastante inferior aos anteriores.

          Blomvski permanece o filme inteiro às voltas da elaboração de uma grande reportagem, que na verdade inclui os dados já coletados anteriormente. Será uma edição especial da Millenniun.

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          Muitas sequências em hospital, reuniões de editoria, brigas grotescas entre bandidos e mocinhos e, assim, o filme torna-se menos envolvente. A revista é alvo de censura; negociatas entre Blomvski e defensores públicos são feitas em casarões antigos. O filme possui a narrativa mais longa de todos. Síndrome de fim de seriado.

          Sem dúvida alguma, as cenas mais tensas são as do julgamento de Lisbeth Salander, seus olhares, sofrimento e silêncio serão sua maior defesa.

          Na esperada cena final, a protagonista consegue pronunciar um revelador “Obrigada por tudo”.

          Reza a lenda que Stieg Larsson escreveria dez volumes para a série Millennium. Sua morte interrompeu a promessa, mas a julgar pela Trilogia, podemos afirmar que o autor possuía uma boa formação jornalística e uma escrita extremamente metódica. Qualificações essenciais para um bom foca.

Referências e Links Interessantes:

LARSSON, S. Os homens que não amavam as mulheres. Tradução Paulo Neves. São Paulo:  Companhia das Letras. 2010.

_________. A menina que brincava com fogo. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Companhia       das Letras. 2010.

_________. A rainha do castelo de ar. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras.  2010.

Site dos filmes: http://dragontattoofilm.com/

Informações: http://www.imdb.com/title/tt1132620/?ref_=tt_rec_tt

Ficha Técnica:

Título: Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres

Ano de produção: 2009

Direção: Niels Arden Oplev

Roteiro: Nikolaj Arcel, Rasmus Heisterberg

Produção: Søren Stærmose

País: Suécia

Elenco: Michael Nyqvist, Noomi Rapace, Ewa Fröling

Título: A Menina Que Brincava Com Fogo

Ano: 2009

Direção: Daniel Alfredson

Roteiro: Jonas Frykberg

Produção: Soren Staermose, Jon Mankell

País: Suécia

Elenco: Noomi Rapace, Michael Nyqvist, Lena Endre, Ewa Fröling

Título: A Rainha do Castelo de Ar

Ano: 2009

Direção: Daniel Alfredson

Roteiro: Ulf Ryberg

País: Suécia

Elenco: Noomi Rapace, Michael Nyqvist, Lena Endre,

Homem Aranha

Por Vinicius Vermiglio

Spider-Man2002Poster             Quando Peter Parker (Tobey Maguire) é picado por uma aranha geneticamente modificada, no filme de 2002, suas preocupações começam a ir além da garota que gosta desde criança, Mary Jane (Kirsten Dunst), e se conseguirá entrar para faculdade no ano seguinte. Além de lutar contra vilões e malfeitores, o Homem-Aranha terá de enfrentar o jornalismo sensacionalista, ao mesmo tempo em que se beneficia dele, com a ambígua divulgação de fotos e façanhas.

            Ao deixar de ser o garoto franzino e nerd do colégio, Parker torna-se o Homem-Aranha – uma misteriosa criatura que ajuda a polícia de Nova York a capturar os bandidos da cidade. Tentando pagar as contas do final do mês e ainda continuar herói da “big apple”, Parker está sempre atrasado para seus compromissos e não consegue manter um emprego. Porém, quando um dos jornais sensacionalistas da cidade, o Clarim, anuncia que está procurando fotos do Homem-Aranha, Peter – que já tirava fotos para o jornal da escola – não pensa duas vezes ao fazer algumas poses para a câmera e levar às fotos ao Clarim.

            Essa é a primeira ocorrência nítida no filme passível de analisarmos. Quando o editor-chefe Jameson (J.K. Simmons) olha as fotos de Parker, as despreza e diz que não valem nada e que pagará pouco por elas. Mas quando Parker ameaça ir embora, o editor-chefe aumenta a oferta e Parker aceita.

            O filme trabalha com o estereótipo do editor-chefe de um grande jornal: agitado, sempre muito ocupado, não tem respeito pelos funcionários e é capaz de fazer qualquer coisa para vender mais jornal. Ética, compromisso com a verdade e com o leitor são ideias que estão em segundo plano para o editor-chefe. Ele próprio explicita isso na primeira frase que diz no filme: “Quem é o Homem-Aranha? Ele é um criminoso, isso sim!”. Um de seus funcionários está tentando convence-lo de que o Homem-Aranha deve ser capa do jornal. O editor-chefe reluta, mas quando descobre que o jornal vendeu quatro tiragens completas, muda imediatamente de ideia. É aqui que Peter Parker entra com suas fotos.

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            Outro ponto que notamos: em nenhum momento Parker reflete sobre a ética de vender fotos de si mesmo (ninguém sabe que ele é o Homem-Aranha) para o jornal. Ainda que, no decorrer do filme, tente argumentar com o editor-chefe Jameson de que o Homem-Aranha não é um criminoso, que o jornal mente ao elaborar as capas sensacionalistas, Parker se resigna, pois precisa do dinheiro. Quando Peter afirma que Jameson está difamando o herói, ele rebate gracejando: “Difamação é oral. Por escrito, é libelo”.

            Sobre a esquiva do Homem-Aranha das câmeras e a relutância para revelar sua identidade, o editor-chefe diz: “Ele não quer ser famoso? Vamos torná-lo infame!”. O cinismo dele é nítido, tudo para vender mais jornais – único objetivo desejado.

            No segundo filme (Homem Aranha 2, do ano de 2004), Parker tenta justificar as fotos que tirou para o editor-chefe, que esbraveja:

            – Parker! Que fotos são essas? Casais, velhinhos…Eu quero fotos do Homem-Aranha!

            – O Homem-Aranha não quer mais posar para mim, diz Peter. Você colocou a cidade toda contra ele!

            – Um fato que estou bastante orgulhoso!

            Os vilões são outros, mas a atitude do jornalista é a mesma. Quando um cientista torna-se o antagonista da história, o editor-chefe precisa decidir como vai chamá-lo. Ele opta por “Dr. Octopus” – graças a semelhança deste com um polvo – e até já cria um apelido: “Doc Ock”, um jogo de palavras de fácil assimilação para que os leitores memorizem com facilidade.

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            Algumas cenas depois, vemos o editor-chefe do jornal felicíssimo. A razão: um homem desconhecido chega na redação e entrega a Jameson a roupa do Homem-Aranha. O editor-chefe comemora: “Finalmente o convenci. É a força da imprensa!”

            O objetivo do editor-chefe de desacreditar e difamar o personagem era claro desde o primeiro filme, porém quando o jornalista consegue desmotivar o Homem-Aranha, Jameson arrepende-se de tê-lo feito, pois os crimes na cidade aumentam substancialmente. Poucas cenas depois de celebrar a desistência do Homem-Aranha, o editor-chefe declara: “É…ele era um herói. Eu não conseguia ver”, mas enquanto diz essa frase, a roupa do Homem-Aranha some de seu escritório. O herói está de volta, portanto as capas contra ele também: “Ele voltou! A ameaça mascarada retorna!” lemos na manchete do dia seguinte.

            Há uma irracionalidade do jornalista para fins de efeito cômico. A ausência de escrúpulo e falta de ética do editor-chefe são retratadas com traços caricatos e estereotipados, não problematizadas e questionadas.

            Uma das maiores hipocrisias relativas ao comportamento do editor-chefe do jornal ocorre no terceiro filme (Homem-Aranha 3, de 2007). Jameson quer fotos do Homem-Aranha fazendo algo de “errado”, seja lá o que for, para desconstruir sua imagem de herói. Quando um dos fotógrafos falsifica as fotos que entrega ao editor, este o demite na mesma hora e publica uma retratação desculpando-se com o público leitor. Por que a tolerância dele contempla as manchetes mentirosas (criadas por ele próprio), mas não as fotografias manipuladas? Aparentemente, a manipulação das palavras é tolerável a medida que, devido ao mistério que envolve o Homem-Aranha, não há como comprovar as mentiras ali publicadas. Mas uma foto geralmente é vista como representação fiel da realidade dos fatos, senão mesmo o fato em si registrado enquanto ocorria.

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            Como dito anteriormente, a figura de Jameson serve mais como alívio cômico para as “tensas” situações que o protagonista vive. Todas as ações do editor-chefe são relevadas, pois a caricatura criada para o personagem justifica suas ações. Ainda que as capas mentirosas fossem vistas diariamente na banca, percebemos que a população nova-iorquina gosta e admira o Homem-Aranha, independente das capas. Também nota-se que o editor-chefe possui certo apreço pelo herói, mas há tolerância nas ações do jornalista, pois ele está apenas “fazendo o seu trabalho”, como costuma-se dizer.  Mesmo que parte desse trabalho seja mentir e enganar.

Links e referencias interessantes:

BOSCOVI, Isabela. A vingança dos nerds. Disponível em:http://veja.abril.com.br/150502/p_120.html

SPIDER MAN. http://www.rottentomatoes.com/m/spiderman/

Home Aranha. http://www.imdb.com/title/tt0145487/

Ficha Técnica:

Título original: Spider-Man (2002)

País: EUA

Direção: Sam Raimi

Ano de Produção: 2002

Roteiro: David Koepp

Elenco: Tobey Maguire, Willem Dafoe, Kirsten Dunst, James Franco, J.K Simmons, Rosemary Harris, Cliff Robertson

Trailer:

Tudo pelo poder

Por: Danilo Rothberg

Os meados de março e o palco da luta pelo poder

tudo-pelo-poder          “Tudo pelo poder” foi elogiado pela crítica especializada por sua capacidade de reter a atenção sobre uma trama que captura muitos dos dilemas éticos vividos pelas democracias contemporâneas, às voltas com as difíceis decisões envolvidas nos acordos necessários à construção de candidaturas eleitorais viáveis. O roteiro insere o papel decisivo dos assessores de imprensa no jogo das informações para alcançar ou afetar as imagens dos candidatos.

           “The ides of March” (“Os idos de março”) é o título original do filme de 2011 dirigido e estrelado por George Clooney que no Brasil recebeu o título “Tudo pelo poder”. Por mais que seja um lugar-comum a ser evitado resenhar um filme de maneira a apontar o contraste entre seu título original e a adaptação brasileira, neste caso é perdoável, já que esmiuçar a diferença pode contribuir para enriquecer a experiência do espectador. Continue lendo “Tudo pelo poder”

O Chamado

Por: Cinthia Quadrado 

19882415– Já ouviu falar sobre uma fita de vídeo que você assiste e morre?

– Que tipo de fita?

– Uma fita. Uma fita comum de se alugar. Você assiste e é como se fosse o pesadelo de alguém. De repente uma mulher aparece sorrindo, sabe? Olhando você através da tela. Quando acaba, o telefone toca. Alguém sabe que você assistiu. E a voz diz: “Você morrerá em sete dias”.

           Esse é o diálogo de abertura de O Chamado, filme norte-americano de terror lançado em 2002 por Gore Verbinski. O filme conta com o roteiro de Ehren Kruger, trilha sonora de Hans Zimmer e é uma regravação do filme japonês Ringu, de Hideki Nakata, responsável pela adaptação do romance de Koji Suzuki (1998). Continue lendo “O Chamado”